Em Belo Horizonte



tem um lugar do qual foi difícil eu me despedir um dia; o Cine Humberto Mauro. Por ser gratuito, atrai um público variado e interessante. Subvencionado pele Estado de Minas, não tem compromisso com o mercado; é livre da influencia sub cultural que o cinema comercial oferece, se deixa mover pela cinematografia mundial atemporal e pelo magnetismo da boa arte cinematográfica; os clássicos não envelhecem jamais. A programação era temática e abordava a obra de grandes diretores, na plateia se misturavam estudantes e professores da academia de cinema com gente do povo que não tem acesso ao cinema comercial, saltimbancos, vagabundos letrados ou não, mas todos amantes da sétima arte.

As salas estavam quase sempre lotadas naquela penúltima semana da mostra A Era dos Extremos, que foi exibida do inicio do mês (não me lembro a data) até 21 de novembro de 2018. Casablanca – de Michael Curtz (1942) e Roma Aberta – de Roberto Russollini, são os que pude ver, deliciado. O título da mostra era bem significativo do momento que vivemos no Brasil; como diz Chico Buarque em sua canção Caro Amigo: “...mas, o que eu quero lhe dizer, que a coisa aqui tá preta”.

Esse cinema talvez seja um refúgio á selvageria que sutilmente bafejava em minha cara quando andava pelas ruas de Belo Horizonte, onde a “a coisa tá preta”; no subsolo do Palácio das Artes, no Cine Humberto Mauro, escapavamos da frustrada ilusão do consumo; no seu interior nos sentimos a salvo e lampejados das cenas imortais de cinema,mergulhávamos, abduzidos por flashes de luz, pelos efeitos sonoros lançados atrás e afrente no tempo percorrido pela humanidade, através da perspectiva histórica contida na narrativa do cinema, vislumbrando num reflexo o que ocorre realmente “fora da caverna”.

E que riqueza ambiental, sociológica, morfológica, substrato da diversidade social e cultural se encontrava entre os próprios usuários mais frequentes! O psicanalista decaído, o moicano meio punk, a “Emília” que sempre chegava às pressas e atabalhoada, atrasada que vinha para as sessões, parecia ter escapado do Sítio do Pica Pau Amarelo; uns personagens como que saídos do imaginário ou se oferecendo a ele, verossimilmente. Desculpem se os nomino assim, é por ainda não saber seus nomes, não fui apresentado; também, onde já se viu, num saguão de cinema, onde as vicissitudes se impõe, querer tais formalidades... Tampouco me atrevi a me apresentar, puxar conversa, não me peça tanta ousadia. Me limitava a isto, a cada sessão, na espera da fila do guichê, a observar que quase sempre, em algumas mostras estávamos ali, para sorver um poco de arte, éramos sempre os mesmos.

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